terça-feira, 20 de maio de 2008

Entrevista com Marcos LimaPrimeiro Cego Brasileiro a

Marcos Lima


Acompanhe minha entrevista com o primeiro cego do Brasil a esquiar na República Tcheca.


Josué: Você acredita que a cegueira ajudou a vencer o medo, pelo fato de não estar enxergando?

Marcos: Ajudou. Claro que atrapalha porque a gente tem medo do desconhecido, não só a gente cego, mas a gente ser humano. O ponto está em saber se seria maior o medo do desconhecido ou o medo da altura. E eu sinceramente, acho que o medo da altura seria maior, portanto eu acredito que tenha levado alguma vantagem, risos. Mas me ajudou muito o fato de sempre ter praticado esporte, de ser jogador de futebol, porque eu já tinha um conhecimento corporal que me ajudou muito. Não só porque eu sabia cair e por isso não tinha medo quando caía, mas também porque no futebol eu estou acostumado a correr contra o desconhecido, de não saber exatamente o que está à minha frente e ainda assim correr. E isso eu fazia no esqui. Claro, que o futebol me ajudou muito. Teve um dia em que o meu treinador foi me ensinar a cair, e ele ficou espantado porque ele descobriu que eu sabia cair. E eu só sabia cair porque se eu não souber cair no futebol, eu não posso jogar.

Josué: você já havia passado por alguma experiência semelhante antes?

Marcos: Nunca tinha tido nenhuma experiência com esqui não. Eu. Conheci o equipamento de esqui numa loja quando cheguei na Bélgica.

Josué: A prática do esqui em relação ao futebol, apresenta situações diferentes em termos de velocidade ou para você é a mesma coisa?

Marcos: Mas eu não comecei logo a plena velocidade, eu comecei com uma pessoa me acompanhando a cada movimento. A velocidade e as curvas, que é o que dá mais medo, vem aos poucos. E, quando elas vem já estava acostumado. Não saí esquiando profissionalmente, precisaria de mais algum tempo para isso, mas minha evolução foi muito elogiada. E eu tenho certeza que foi pelos conhecimentos corporais que eu já levava. Se fosse um cego que nunca praticou esporte, certamente ele teria tido muito mais dificuldades.

Josué: Fale um pouco sobre o projeto, e o exercício do bambu?

Marcos: Fundei com alguns amigos. O projeto foi meu e do Gabriel Mayur, que é o gerente de projetos da Urece e que está cursando mestrado em desporto adaptado na República Tcheca. Abriu um curso de esqui para deficientes na universidade dele e ele me chamou para fazer parte. E daí corremos atrás de parceiros para que a viagem fosse possível. Conseguimos levar uma jornalista para registrar a experiência, e isso proporcionou a divulgação do evento, já que as TVs só aceitavam fazer a matéria se tivessem imagens feitas de eu esquiando. O exercício do bambu, você viu isso, hehe. Foi muito engraçado, porque eu não sabia de onde vinha a pancada para me derrubar. Me ajudou a ter uma reação melhor, um reflexo que sem dúvida foi importante para mim nas montanhas.

Josué: Qual era o tempo em média de cada atuação sua? havia um tempo pré-determinado ou era de acordo com o q você poderia suportar em termos de condições climáticas e preparo físico?

Marcos: eu não estava competindo. Estava la'treinando e aprendendo, não necessariamente nessa mesma ordem. Por isso, o tempo quem determinava eram meus treinadores.Em geral, cada sessão tinha uma ou duas horas pela manhã e o mesmo tempo à tarde. Mas as vezes o treinador exigia que eu ficasse um dia de repouso ou no mínimo um período, porque ele acredita que os deficientes visuais têm certa dificuldadede assimilar movimentos muito novos por longos períodos sem descanso. No terceiro dia, quando eu fui praticar quando o certo seria descansar. Foi o dia em que eu mais errei, mas errar e cair também faz parte. Meu treinador disse que eu precisaria daquele descanso para que o meu cérebro pudesse processar todos os movimentos. Mas como a temporada era curta, eu tinha que aproveitar todos os momentos.

Josué: E qual seria o seu objetivo a ser alcançado? Dentro desse projeto? Competir?

Marcos: O meu treinamento fez parte do projeto de eu me tornar o primeiro cego brasileiro a esquiar, porque queríamos, com isso, não só chamar a atenção para aurece 9a associação que conseguiu esse projeto) como também para os deficientes visuais em geral. Esqui é um esporte radical e então se um cego pode fazer,ele pode fazer muito mais coisas do que as pessoas em geral imagina. Isso foi uma forma de tentar quebrar um pouco o preconceito que a gente vive diariamente. Mas difícil do que esquiar , é andar pelas cidades Claro que se tiver patrocínio e condições, eu quero continuar, tentar chegar a algum patamar internacional,mas o primeiro passo tinha que ser dado e felizmente a gente conseguiu ser pioneiro nisso Para chegar a competir, eu tenho que treinar muito mais. o tempo estipulado de aprendizagem para um deficiente visual é de três invernos. Eu, em um inverno,consegui progredir dois invernos. Ou seja, para eu começar a pensar em competir, ainda teria que passar por mais um período de aprendizagem e então me inscrever e começar a disputar. Daí para chegar a uma Paraolimpíada, tem um longo caminho pela frente. Mas a gente sempre pensa alto, eu quero o máximo,lógico, mas estou satisfeito com o que conseguimos até agora.Ao retornar para o Brasil, consegui uma divulgação na mídia que foi boa, mas poderia ter sido muito melhor. Mas não consegui nenhum patrocínio não, infelizmente.

Josué: Quais foram as análises das pessoas q te acompanharam, como por exemplo do seu técnico?

Marcos: que eu estou entre os cinco alunos dele de maior e mais rápida aprendizagem. E ele ensina isso há trinta anos. Eu fiquei satisfeito, não esperava que eu tivesse tanta facilidade. Sinceramente, há um caminho enorme ainda a percorrer, mas eu sai daqui sob os piores auspícios: "vai cair! Vai se quebrar todo!" e felizmente nada disso aconteceu.

Josué: Qual foi a receptividade das pessoas ao voltar ao Brasil, como amigos família e colegas de trabalho?

Marcos: Foi ótima cara. Teve aquele componente pessoal também, porque eu fiquei muito tempo fora, mas eu sei que ficaram orgulhosos de mim porque muita gente previu que eu fosse me acidentar.

Josué: Lá já é comum então para as pessoas verem um cego esquiando de forma competitiva?

Marcos: Sim, lá criancinhas de quatro ou cinco anos já esquiam direitinho.

Josué: E suas expectativas, quais são daqui para frente? você realmente vai se dedicar ou vai tentar conciliar as duas coisas trabalho e ser um atleta paraolímpico, o que você acha que vai rolar?

Cara, estou ainda distante de ser um atleta paraolímpico. Queria que pintasse algum projeto, algum patrocínio, quem sabe para o meio do ano no inverno sul-americano, mas por enquanto isso é bem distante, não tem nada acontecendo nesse sentido. Eu quero ter outra chance e tentar chegar a algum lugar. quem sabe ser o primeiro atleta brasileiro numa Paraolimpíada?

Josué: e o q você pôde identificar nas pessoas cegas ao descobrir essa modalidade já q no Brasil não é praticado?

Marcos: Cara, acho que tá muito longe das pessoas aqui, porque esportes de inverno não são difundidos para ninguém, deficientes ou não.

Josué: Se para conseguir apoio a modalidades como o futebol para cegos já é um desafio imagina para esquiar, ou você não vê assim?

Marcos: Vejo assim. Os custos são muito altos, porque é uma atividade praticada fora do Brasil, E eu trabalho com isso todos os dias, buscando patrocínio para modalidades praticadas aqui no quintal e nada acontece. Por isso que eu não tenho tantas esperanças de que o projeto do esqui possa ir à frente, infelizmente.

Josué: Marcos fico muito agradecido por sua gentileza pois também estou aprendendo muito com você. Desculpa por algo.

Marcos: Até três meses atrás, era um assunto totalmente desconhecido para mim também, EU nunca tinha visto neve.

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