domingo, 15 de junho de 2008

Morcegos no futebol

O futebol é o esporte mais populoso do mundo. Paixão nacional de milhares de brasileiros, esta modalidade representa a alegria e esperança para muitas pessoas. Ao imaginarmos uma partida de futebol, temos logo a idéia de que para fazer um drible ou chutar a bola ao gol, dependemos exclusivamente da visão. Estamos completamente equivocados, a superação, e a sensibilidade do corpo transformam o ser humano, e aquilo que parecia ser impossível, torna-se possível aos olhos do homem. Em 1852, o jovem cego José Alves de Azevedo retorna ao País depois de ficar estudando por vários anos na França. O pioneiro do Sistema Braille no Brasil é chamado pelo então D. Pedro II que ao vê-lo exclama a histórica frase "A cegueira já quase não é mais uma desgraça". Não poderia imaginar ele que o Brasil do século XXI, seria a maior expressão de futebol para cegos do mundo.

A Universidade Federal de Santa Catarina, (UFSC) desenvolve trabalhos com esportes adaptados através do curso de educação física. As atividades começaram na década de 80, quando os professores de educação física perceberam a importância de trabalhar com estas pessoas em sua formação profissional e possibilitando aos acadêmicos a preparação para um novo mercado de trabalho. Atualmente a UFSC é a única universidade do país a contar com duas disciplinas voltadas para o atendimento especializado, são elas educação física especial com 72 horas de aula e metodologia dos esportes adaptados também com 72 horas de aula. Luciano Lazzaris Fernandes é professor de Educação física e coordenador do projeto Sábado no Campos, criado a mais de 10 anos para a prática dos esportes adaptados. De acordo com ele, o primeiro objetivo do programa é capacitar os acadêmicos no atendimento a esta população. O segundo é integrar a pessoa com deficiência na sociedade através do esporte oferecendo a eles melhores condições de vida. No total, 12 alunos do curso de Educação física recebem uma bolsa para o acompanhamento e treinamento desses atletas. Luciano diz que o maior número de participantes é formado por pessoas com deficiência física e visual. Os deficientes visuais são integrados nas modalidades de bocha, futebol para cegos, atletismo, natação, e xadrez. Os trabalhos de treinamento e preparação física para o futsal de cegos acontecem a dois anos na UFSC. A primeira formação de uma equipe ocorreu em 2005, quando os atletas alcançaram uma terceira colocação nos jogos Paraolímpicos abertos de Santa Catarina (PARAJASSC) realizado na cidade de Chapecó. O acadêmico e goleiro do time de Florianópolis Luiz Fernando Mafra esclarece, diferente do futsal convencional o fut 5, como é conhecido o futebol para cegos exige do jogador um maior contato com a bola para o seu deslocamento na quadra. O jogo é formado por quatro atletas na linha e o goleiro, único jogador com visão. Dentro da bola existe um guizo que emite um barulho semelhante á de um chacoalho. Com o girar da bola, os atletas acompanham seu movimento e aplicam suas jogadas. A modalidade é dividida em três categorias, classificadas de acordo com o grau de visão do atleta. Na categoria B1, todos os jogadores de linha são cegos. Já os atletas das categorias B2 e B3, possuem percepção visual.

A diferença está apenas na bola, que ao cego é identificada pelo guizo, enquanto que para o atleta baixa visão, é distinguida por uma cor chamativa, na maioria das vezes um laranja florescente.

As regras são as mesmas para ambas as classificações, destacando que os cegos utilizam uma venda nos olhos, que colocada sobre um tampão cirúrgico não possibilita nenhuma percepção luminosa ou visual no caso de um resido. Ressalta Luiz Fernando: "o primeiro contato é a avaliação dos aspectos de coordenação motora do participante.

Se for o caso de uma pessoa com baixa visão é colocado uma venda nos seus olhos para observar de que forma ele orienta-se na quadra. Para o atleta cego prevalece a sua capacidade de localização, acompanhando de que maneira ele movimenta-se em quadra.

De acordo com o acadêmico, são três os pontos fundamentais para sua participação na modalidade. O primeiro é o senso de deslocamento, o jogador deve saber o quanto pode correr ou não. O segundo é o senso de direcionamento que corresponde a seu alinhamento em quadra e por último o equilíbrio o qual determinará suas agilidades resultando na segurança do jogador. De acordo com ele, as primeiras atividades aplicadas no início do ano, estão voltadas para trabalhos como alongamentos e coletivos na formação de uma equipe preparada para competir. Luiz Fernando diz que a quadra é dividida em três partes:

Na defesa, o goleiro orienta a posição dos zagueiros, chamando a atenção do atleta para marcação. Na segunda parte, somente o treinador é quem pode dar as coordenadas, orientando o jogador em seu deslocamento nas laterais e meio da quadra. No campo adversário, o chamador posiciona-se atrás da goleira e chama a atenção dos atacantes para o momento exato do chute ao gol.

Esta função geralmente é feita por uma acadêmica, que se diferencia pela voz feminina. Durante uma cobrança de pênalti, o chamador bate com um metal nas duas traves da goleira, indicando um melhor direcionamento para o atleta. Algumas adaptações no regulamento da modalidade, são aplicadas pelo juiz na partida como a advertência ou expulsão para o atleta que colocar as mãos sobre a venda. De acordo com ele, o principal trabalho com o cego é a percepção auditiva que o aluno participante deve ter em relação ao movimento da bola. Não são observados aspectos como a idade do participante, mas de como ele foi orientado pela família. Se a criança cega foi estimulada a realizar atividades físicas e motoras, ela terá um preparo significativo. As convocações, feitas para a seleção brasileira de futebol de cinco para cegos ocorrem da mesma forma que no futebol convencional. Os jogadores são avaliados por integrantes da Confederação Brasileira de Desportos para cegos (CBDC), entidade responsável pela organização das diversas competições para cegos, em diferentes modalidades. Apesar de todas as demonstrações de capacidade e brilhantismo, problemas como a ausência de patrocinadores e as dificuldades de acessibilidade são as principais barreiras vivenciadas pelos atletas cegos. A equipe leva o nome da entidade que representa as pessoas com deficiência visual em Florianópolis. A (ACIC) Associação Catarinense Para Integração do Cego.

Luciano Lazzari coordenador do projeto. Sábado no Campos diz que ainda falta muito empenho por parte das entidades de apoio ao esporte adaptado . Segundo o professor a maioria das organizações não consideram a prática dos esportes como um agente importante no processo de reabilitação da pessoa com deficiência. Destaca também a falta de incentivo do poder público que não oferece nenhum respaldo expressivo aos atletas. Luciano diz "O esporte para as pessoas cegas vai poder mostrar a sociedade suas potencialidades e virtudes além de lhe dar preparo físico. "A partir do momento em que você tem mais agilidade e equilíbrio você tem condições de estar incluído no mercado de trabalho". Para o presidente da ACIC, Adilson Ventura a associação continuará priorizando a reabilitação das pessoas cegas Acrescenta o presidente: "temos total interesse em poder oferecer nosso apoio aos esportes adaptados, mas somente a partir do momento em que realmente haver a formação de uma equipe sólida".


História


Embora não haja um registro histórico, está modalidade começou a ser praticada em alguns países do mundo na década de XX, nos pátios de instituições de assistência ao cego. No Brasil o movimento teve seu início entre os anos de 1950 a 1960, em entidades como Instituto Santa Luzia, em Porto Alegre-RS, e instituto Padre Chico, em São Paulo. As adaptações aplicadas na bola eram precárias e o futebol de 5 era praticado apenas como uma brincadeira prevalecendo o improviso. Tampinhas de garrafa além de outros materiais que emitissem barulho eram suficiente para os pioneiros da modalidade. O futebol para cegos, cresceu condicionado a pouca importância que as instituições destinavam ao esporte, havendo também o problema de ser praticado em grandes espaços devido á falta de uma estrutura adequada. Estas dificuldades e a preocupação com a segurança do atleta optou-se pelo futebol de salão. O futsal, passou a ter mais dinamismo resultante de suas dimensões serem mais reduzidas.

A bola passou por um longo período de experimentações como a utilização de um guizo em sua parte externa, mas que não dava condições adequadas de localização.

A primeira competição que se tem conhecimento ocorreu no Brasil em 1974, no Instituto Santa Luzia, em Porto Alegre-RS. A Olimpíada Nacional Para o Deficiente

Visual contou com a participação de equipes de diferentes regiões do país. A bola tinha um guizo externo e os jogadores não usavam venda nos olhos, não havendo divisão por categorias. O massoterapeuta Augustinho da Silva de 46 anos atualmente mora em Florianópolis, participou da competição representando uma entidade de Porto Alegre.

Segundo ele em uma das partidas ocorreu um fato interessante. Uma equipe vinda de São Paulo colocou em quadra um jogador que possuía um expressivo resido visual e acabou fazendo o único gol da partida. Houve muita confusão por parte de alguns jogadores que foram para cima do juiz.

Mas foi somente em 1980, durante as olimpíadas das APAES que o futebol de 5 utilizou uma bola com o guizo interno. Trazida pelo professor pernambucano João Ferreira. Hoje essa bola é produzida pelos ministérios dos esportes através do programa Pintando a Liberdade, criado na cidade de Curitiba no início da década de 90 e que utilizou-se da mão de obra dos presidiários. Atualmente esta bola, é a única reconhecida pela International Blinds Sport (IBSA) organização que coordena os desportos para cegos no mundo.

Em janeiro de 1984 é fundada a associação Brasileira de Desportos para Cegos (ABDC) conhecida hoje como Confederação Brasileira para Desportos para Cegos e que teve inicialmente atender exigências internacionais quanto á participação de cegos nas Paraolimpíadas de Nova York. O futebol de salão passou a exercer um papel fundamental na vida das pessoas cegas e colaborou para o crescimento das modalidades adaptadas no Brasil. Em 1981, é realizada a primeira edição do campeonato brasileiro para cegos em Porto Alegre-RS, consagrando-se como campeã a (ADVPAR), Associação dos Deficientes Visuais do Paraná.

A partir de 1984, começou-se a ser vendado os olhos dos jogadores para que fosse preservada a igualdade de condição de jogo entre eles. Ainda em 1980 a delegação paraolímpica do Brasil, composta por atletas de atletismo, levaram para os jogos de Nova York uma bola com guizo para ser apresentadas a outras delegações de diferentes países do mundo. O principal objetivo, era divulgar o futebol para cegos em todas as partes.

Mas foi em 1984 que o Brasil pela primeira vez participou de um torneio internacional de futebol para cegos em Cadê na Espanha.

O fut 5, ganhava cada vez mais espaço devido a seu fator integrante dos cegos na sociedade. Ainda em 1984 é criado o subcomitê da IBSA de futebol para cegos

resultando na unificação das regras entre países praticantes da modalidade. Atualmente existem cerca de 40 equipes de fut 5 no Brasil. Nosso país é recordista de títulos internacionais, ao lado de seu principal adversário a argentina dos quais somam dois mundiais da copa IBSA.

O Brasil também foi à única seleção a garantir medalha de ouro nos jogos paraolímpicos de Atenas em 2004. Os campeonatos organizados pela CBDC seguem uma classificação de acordo com a região das equipes. Os chamados regionais integram times de estados vizinhos que classificam-se para a disputa do título nacional, a Copa Brasil de futebol para cegos, reunindo as maiores expressões da modalidade. A competição é realizada em formato de torneio em diferentes regiões do Brasil, tendo uma única edição no ano.

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